44 – Fernando Pessoa

Está frio.

Ponho sobre os ombros o capote que me lembra um xale –

O xale que minha tia me punha aos ombros na infância

Mas os ombros da minha infância sumiram-se muito para dentro dos meus

ombros,

E o meu coração da infância desceu-se muito, para dentro do meu coração.

Sim está frio…

Está frio em tudo que sou, está frio…

Minhas próprias ideias têm frio, como gente velha…

E o frio que eu tenho das minhas ideias terem frio é mais frio do que elas.

Engenho o capote à minha volta…

O Universo da gente…a gente…as pessoas todas!…

A multiplicidade da humanidade misturada,

Sim, aquilo a que chamamos a vida, como se só houvesse astros e estrelas…

Sim, a vida…

Meus ombros descaem tanto que o capote resvala…

Querem consertar melhor? Puxem-me para cima o capote.

Ah, parte a cara à vida!

Liberta-te com estrondo no sossego de ti!

Fernando Pessoa

In Antologia Poética

Organização e apresentação Cleonice Berardinelli

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