‘câncer’ – Poema sobre a morte da mãe de Charles Bukowski

 

‘câncer’ – Poema sobre a morte da mãe de Charles Bukowski:

 

‘encontrei seu quarto no alto de uma

escada.

ela estava sozinha.

“olá Henry”, ela disse, e depois,

“você sabe, eu odeio esse quarto, ele não

tem janelas.”

 

eu estava com uma ressaca daquelas.

o cheiro era insuportável,

sentia-me prestes a

vomitar.

 

“eles me operaram dois dias atrás”,

ela disse. “me senti melhor no dia

seguinte, mas agora está tudo igual a antes, talvez até

pior.”

 

“sinto muito, mãe.”

 

“sabe, você estava certo, seu pai

é um homem terrível.”

 

pobre mulher. um marido brutal e

um filho alcoólatra.

 

“me desculpe, mãe, eu volto

logo…”

 

o cheiro havia me impregnado,

meu estômago pulava.

saí do quarto

e desci metade do lance de escadas,

me sentei ali

agarrado ao corrimão,

respirando o ar

puro.

 

a pobre mulher.

 

segui respirando e

mantendo o controle para não

vomitar.

 

me levantei e voltei a subir os

degraus em direção ao quarto.

 

“ele tinha me mandado para um

hospício, você

sabia?”

 

“sim. eu informei a eles

que tinham pegado a pessoa

errada.”

 

“você parece doente, Henry, está tudo bem

contigo?”

 

“não estou num bom dia, mãe. Volto

para ver você

amanhã.”

 

“tudo bem, Henry…”

 

fiquei de pé, fechei a porta, em seguida

desci a escada.

ganhei a rua, cheguei a um

roseiral.

 

soltei tudo sobre o

roseiral.

 

pobre e desgraçada mulher…

 

no dia seguinte cheguei com

flores.

subi a escada até a

porta.

 

havia uma guirlanda na

porta.

tentei abrir a porta mesmo assim.

estava trancada.

 

desci os degraus

cruzei as roseiras e seu jardim

e cheguei à rua

onde havia estacionado meu

carro.

 

duas garotinhas

entre 6 e 7 anos

voltavam da escola para casa.

 

“desculpem-me, senhoritas, mas vocês

gostariam de ganhar umas flores?”

 

elas pararam e me

encararam.

“tome”, estiquei o buquê à mais alta

das garotas. “agora, vocês

dividam, por favor, dê para sua amiguinha

a metade delas.”

 

“obrigada”, disse a mais

alta, “elas são

lindas.”

 

“sim, são mesmo”, disse a

outra, “muito

obrigada.”

 

elas se afastaram descendo a rua

e eu entrei no meu carro,

dei a partida, e

dirigi de volta para o meu

canto.’

 

– Charles Bukowski, em ‘Textos autobiográficos’